quarta-feira, julho 12, 2006

Tubarões: a experiência pró-conservação nos Estados Unidos

Por Jaqueline B. Ramos *

Infelizmente, o tubarão no Brasil é um animal ligado estritamente a notícias negativas, como ataques a surfistas e mergulhadores. Além disso, aparece nos jornais como “troféu” de pescadores, que viram heróis ao expor o animal cruelmente morto na praia ou em seus barcos. Muito da má fama do tubarão vem da cultura que o vende como um dos animais mais perigosos que existem, predador e assassino inveterado de homens. O que pode ser facilmente provado o contrário, conforme o próprio projeto PROTUBA já vem divulgando em fatos e dados.

O grande problema é que o resultado de toda essa discriminação e falta de conhecimento faz com que a opinião pública, de uma forma geral, não se preocupe ou se sensibilize com a conservação das espécies de tubarão e problemas como o finning (pesca para extração das barbatanas) e a pesca predatória continuam acontecendo sem que haja muita mobilização para que uma legislação a favor da defesa e da conservação do tubarão seja instaurada no Brasil.

O Ibama já tem uma portaria que proíbe a prática do finning (o peso total das barbatanas não pode exceder 5% do peso das carcaças), mas ainda não temos leis específicas determinando, por exemplo, que os tubarões transportados e vendidos devam estar inteiros (só há definições de tamanho mínimo para captura de algumas espécies), que haja limites (cotas) para a quantidade de tubarões pescados e que se crie áreas protegidas de berçário e épocas de defeso.

Diante do contexto de que o Brasil necessita de uma legislação eficiente de proteção para coibir a pesca predatória e a sobrepesca do tubarão, vale a pena analisar a estratégia de manejo do animal adotada por países com os Estados Unidos, que já tem políticas de conservação bem mais avançadas.

Os tubarões e sua interação nos ecossistemas: O National Marine Fisheries Service (NOAA Fisheries) — agência federal dos Estados Unidos, ligada do Departamento de Comércio, responsável pela administração dos recursos dos ecossistemas marinhos no país — tem um programa específico para estudo de espécies de tubarões que tenham valor comercial, histórico e ecológico relevantes e sua interação nos habitats naturais. É o Apex Predators Program (APP), cuja linha de pesquisa consiste em estudar profundamente e sistematicamente a distribuição dos indivíduos, as rotas de migração, as taxas de reprodução, o ciclo alimentar no ambiente, entre outras questões da ecologia e biologia específicas dos tubarões em toda a costa norte-americana.

Através do NOAA Fisheries, o programa conduz pesquisas, implementa restrições legais e trabalha junto a pescadores em instâncias locais. Além disso, desenvolve ações de incentivo à conservação a nível internacional através de programas de cooperação para identificação e estudo de tubarões em convênio com outros países do Oceano Atlântico, Golfo do México, Mar do Caribe e Oceano Pacífico. No Pacífico, o NOAA Fisheries trabalha junto a conselhos locais de pesca com o objetivo de desenvolver mecanismos de manejo da população de tubarões neste oceano.

Outra linha de pesquisa muito interessante do programa é a Cooperative Atlantic States Pupping and Nursery (COASTSPAN), que desenvolve um estudo detalhado das áreas de berçário de tubarões mais importantes na costa atlântica. Os dados levantados nesse estudo geram um banco de dados de informações técnicas que ao final embasam os planos de manejo e conservação da população adulta de tubarões.

26 anos de regulamentação de pesca de tubarões: Além de investimentos em estudos para embasar ações práticas de conservação, os Estados Unidos é pioneiro na implementação de legislação específica de proteção e conservação. A pesca de tubarões começou a ser regulada através de leis em 1993. Seis anos depois, um Plano de Manejo de Pesca revisado, incluindo as espécies de tubarão, peixe-espada e atum, passou a regulamentar as atividades pesqueiras. Desde então a pesca de tubarões vem sendo controlada através de um sistema de cotas e pescadores comerciais devem ter uma permissão especial e seguir restrições quanto ao número de viagens e limites de acesso.

Existem duas temporadas de pesca nos Estados Unidos: de 1º de janeiro a 31 de junho e de 1º de julho a 31 de dezembro. Cada uma tem uma cota determinada que é divulgada antecipadamente a cada ano, assim como limites a serem respeitados em áreas especificadas da zona costeira. Além disso, existe uma lista composta por 19 espécies que são proibidas, em qualquer hipótese, de serem pescadas. Assim como no Brasil, a prática de finning também é proibida nos Estados Unidos (também há o limite de 5%).

As ações de proteção colocadas em prática nos Estados Unidos fazem com que ele seja um líder internacional na conservação de tubarões. A intervenção do país, por exemplo, foi crucial para a montagem do Plano Internacional de Ação para Conservação e Manejo de Tubarões, da FAO (Food and Agriculture Organization). Sem contar que é um dos únicos países, entre os 87 que praticam pesca de tubarão, que desenvolveu um Plano Nacional de Conservação e Manejo de Tubarões.

A experiência dos Estados Unidos pró-conservação pode (e deve) ser então considerada um paradigma para o Brasil. Num país detentor de uma zona costeira como a nossa, faz-se mais que necessário o início de uma organização e mobilização com o objetivo de se implementar programas e legislações efetivamente eficientes em prol da proteção da população de tubarões em nossos mares. Do contrário o número de notícias ruins tendo o tubarão como principal personagem será uma das vergonhas do Brasil perante uma comunidade internacional cada vez mais consciente do valor da conservação deste animal.

Por que conservar a população de tubarões?!

Os tubarões têm um papel muito importante no ecossistema marinho e daí nasce a importância da sua conservação. Variadas espécies de tubarões ficam sujeitas a sobrepesca pelo fato de levarem muitos anos para chegar à vida adulta (têm um ciclo de vida longo) e o número de indivíduos jovens ser pequeno. Os efeitos da sobrepesca podem levar anos até serem revertidos.

Para desmistificar alguns fatos e ressaltar o porquê da importância dos esforços para a conservação dos tubarões, abaixo são respondidas algumas perguntas bem freqüentes feitas sobre eles:

O que faz com que tubarões ataquem os homens?
Tubarões não têm o instinto natural de caçar homens. Um ataque ocorre por erro de identificação. Acontece dos tubarões confundirem homens com suas presas naturais, como peixes, mamíferos marinhos e tartarugas, e geralmente soltam a pessoa depois da primeira mordida. Espécies pequenas confundem braços e pernas balançando com peixes e quando mordem e percebem que não é o que procuram, soltam e nadam fugindo. As espécies maiores também confundem, mas uma única mordida nesse caso pode causar ferimentos bem mais graves. Em suma, tubarões não atacam homens, mas nem por isso devem ser tratados sem cuidado ou respeito.

Por que proteger os tubarões?
Tubarões são animais únicos, cuja biologia preservada data de milhões de anos. Como são predadores do topo da cadeia nos mares, eles colaboram para o equilíbrio do ecossistema marinho. Ao lado de algumas poucas espécies de baleias e outras de tubarões, o homem é o único animal que mata tubarões (é contabilizado mais de 100 milhões por ano). Por esses motivos faz-se necessário criar regulamentos de pesca que garantam a sobrevivência das populações de tubarão nos mares por mais milhares de anos.

O ataque de tubarões é comum? O que pode ser feito para diminuir o risco de um ataque de tubarão?
Mais pessoas morrem eletrocutadas por problemas com luzes de árvore de Natal do que por ataque de tubarões. O risco de ataques pode ser minimizado com atitudes preventivas quando estiver tomando banho de mar numa praia que tenha algum histórico de presença de tubarão, tais como:
Fique sempre em grupo. Tubarões tendem a atacar indivíduos sozinhos, e não grupos. Não se afaste muito da costa, do contrário pode se isolar muito e dificultar um possível resgate.
Evite entrar no mar muito cedo pela manhã ou no final do dia e noite. Estes são os horários que os tubarões estão mais ativos procurando comida.
Não entre na água se tiver algum ferimento sangrando.
Evite usar acessórios muito brilhantes, pois a luz refletida desses objetos se assemelha muito com o reflexo da pele escamada de peixes.
Evite tomar banho em águas utilizadas para pesca comercial ou esportiva, principalmente se existir sinas de isca e peixes se alimentando.
Redobre seu cuidado em águas mais turvas.
Tenha muito cuidado ao nadar perto de bancos de areias e áreas costeiras íngremes, pois os tubarões gostam de se alojar nestas áreas.
Não entre na água se for divulgada a presença de tubarões e saia da água imediatamente se avistar um tubarão. Lembre-se: tubarões normalmente não atacam homens, mas devem ser tratados com muito cuidado e respeito. Não subestime seus instintos.


Fonte: National Marine Fisheries Service (NOAA Fisheries - http://www.nmfs.noaa.gov/)

* Matéria publica na revista do projeto Protuba (primeiro semestre 2006)