quarta-feira, agosto 18, 2010

RODEIOS

Em alguns Estados ele já é probido por lei. Conheça um pouco sobre os bastidores dessa infeliz e cruel atividade que ganhou aparência de entretenimento

Por Jaqueline B. Ramos*


Se você visse uma pessoa aflita, sofrendo deliberadamente por 8 segundos, você consideraria isso um abuso, um exemplo de maus-tratos? A resposta é quase óbvia. Pois o argumento ensaiado “eles se apresentam na arena apenas por 8 segundos” é o principal usado pelos participantes e defensores dos eventos conhecidos como rodeios, nos quais touros e cavalos – e, em alguns casos, até bezerros e novilhos - são montados e/ou laçados e submetidos a uma espécie de desafio para que um peão se exiba para o público demonstrando seu “domínio sobre o animal”.


A origem dos rodeios data do final do século XIX nos Estados Unidos, quando cowboys começaram a competir entre si para ver quem tinha mais habilidade e coragem para dominar os “animais ferozes do Velho Oeste”. Com o tempo a atividade ganhou a roupagem de entretenimento sob o argumento de que consistia em uma manifestação cultural. Cultura e países a parte, o fato é que é uma prática marcada pela subjugação dos animais e movida atualmente por grandes grupos econômicos que visam o lucro do “show” da montaria na arena, geralmente atrelado a grandes espetáculos musicais e venda de comida e bebida.


“É impossível pensar que as provas dos rodeios são realizadas sem causar nenhum incômodo ou impacto negativo para os animais. A situação de maus-tratos é inerente a qualquer tipo de rodeio, seja os com grande produção ou os com menos estrutura. No Brasil, dependendo da região, pode mudar um pouco a roupagem, mas o comprometimento do bem-estar e integridade dos animais se dá da mesma forma”, explica a médica veterinária Vânia Plaza Nunes, que acompanha a problemática dos rodeios há vários anos.


Vânia foi diretora do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, que no ano de 2006 conduziu um estudo técnico a pedido da Promotoria de Justiça de Barretos (SP) no famoso rodeio da cidade. Como já era de se esperar, o estudo apontou com dados e fatos todas as questões que comprometiam a integridade física e mental dos animais de uma forma bem abrangente, analisando desde a fase de treinamento e condições de alojamento até os riscos da atividade para as pessoas envolvidas.


“Entre os inúmeros problemas que detectamos pode-se destacar as condições inadequadas dos alojamentos, o condicionamento para suportar barulho, conviver com outros animais, ficar acordado por várias horas e suportar mudanças térmicas e uma alimentação exageradamente rica em carboidrato. Tudo isso vai contra a natureza dos animais e causa, no mínimo, stress, sem contar outras várias questões, como lesões pelo uso de equipamentos e pelas brigas entre animais”, conta a médica veterinária, ressaltando os problemas vão muito além do momento do evento em si.


O trabalho em Barretos contou com a vitória de a Justiça proibir a prova de laço de bezerro no evento, que não acontece desde 2007. Hoje a meta é lutar para proibir a prova conhecida como bulldog (ver mais detalhes no boxe).


Crueldade além da arena: Retomando o argumento mais famoso dos cowboys brasileiros, mesmo que o sofrimento dos animais fosse por apenas 8 segundos, isso por si só isso já justificaria as condições de maus-tratos a que são submetidos nas provas de rodeios. E quando nos damos conta de que a crueldade ocorre por muito mais que 8 segundos, fica mais fácil ainda concluir porque os rodeios consistem numa prática, no mínimo, ultrapassada.


“A verdade é que não existe rodeio sem crueldade. Os maus-tratos não se limitam ao momento que o animal adentra a arena. Normalmente eles são alugados ou pertencem a companhias de rodeios, são transportados por horas em más condições e, ao chegarem ao destino, aguardam mais longas horas até o início do espetáculo. Muitas vezes são provocados, açoitados e expostos a volumes sonoros altíssimos”, alerta o deputado federal Ricardo Trípoli (PSDB-SP), que sempre trabalhou com causas ambientais e de defesa dos animais. “O suplício não cessa, se estende da criação, transporte e espera, ao corredor, ao brete e à arena. E o pior é que no outro dia tudo se repete.”


Trípoli é muito crítico à legislação vigente que regulamenta os rodeios e os instrumentos que podem ser utilizados nos animais (Lei Estadual 10359/99 – SP e Lei Federal 10519/02). Segundo o deputado, elas foram elaboradas pelo setor no intuito de garantir o negócio e tentar minimizar as severas críticas da sociedade. Como os maus-tratos vão muito além dos instrumentos utilizados e da “performance” na arena, é necessária a incidência de outras normas, principalmente a própria Constituição Federal, que no artigo 225 veda a submissão de animais a crueldades, e a Lei de Crimes Ambientais (9605/98), que também resguarda os animais de abusos e maus-tratos.


“Estamos numa luta grande no Congresso contra a bancada ruralista, que pretende retirar do rol de maus-tratos os animais domésticos e domesticados, para que não se tipifique crime maltratá-los”, conta o deputado, ressaltando o importante papel do Ministério Público e da sociedade em geral na fiscalização e denúncia de maus-tratos nesse tipo de atividade, para que as leis sejam não só cumpridas, mas, sobretudo, melhoradas.


Segundo Trípoli, para se colocar um fim aos rodeios no país, é preciso, antes de tudo, uma inversão de paradigma. Se não houver informação e conscientização da sociedade, não será possível vislumbrar a alteração deste cenário. “A questão não se limita aos interesses econômicos. É claro que o poderia proporciona atingir a mídia e à população, mas é preciso mudar a cultura, a postura e incutir em nossos valores o respeito à vida, prioritariamente. Rodeio é um lazer primitivo e ignorante e não deve ser confundido com a cultura de um povo”, conclui Trípoli.


Linguagem dos rodeios


Laçada de bezerro: um animal de apenas 40 dias é perseguido em velocidade sendo laçado e derrubado ao chão. Pode ocorrer ruptura na medula espinhal, ocasionando morte instantânea, e alguns ficam paralíticos ou sofrem rompimento parcial ou total da traquéia. Pode também ocorrer a ruptura de diversos órgãos internos, levando o animal a uma morte lenta e dolorosa.


Laço em dupla/Team roping: dois peões correm e um deve laçar a cabeça do animal e o outro, as pernas traseiras. Em seguida os peões esticam o boi entre si, resultando em ligamentos e tendões distendidos, além de músculos machucados.


Bulldog: dois peões ladeiam o animal, que é derrubado por um deles, segurando pelos chifres e torcendo seu pescoço.


Sedem ou sedenho: é um artefato de couro ou crina que é amarrado ao redor do corpo do animal (sobre pênis ou saco escrotal) e que é puxado com força no momento em que o animal sai à arena. Além do estímulo doloroso, pode provocar rupturas viscerais, fraturas ósseas, hemorragias subcutâneas, viscerais e internas e, dependendo do tipo de manobra e do tempo em que o animal fique exposto a tais fatores, pode levar ao óbito.


Objetos pontiagudos: pregos, pedras, alfinetes e arames em forma de anzol são colocados nos sedenhos ou sob a sela do animal.


Peiteira e sino: consiste em outra corda ou faixa de couro amarrada e retesada ao redor do corpo, logo atrás da axila. O sino pendurado na peiteira constitui-se em mais um fator estressante pelo barulho produzido.


Esporas: às vezes pontiagudas, são aplicadas pelo peão tanto na região do baixo-ventre do animal como em seu pescoço, provocando lesões e perfuração do globo ocular.


Choques elétricos e mecânicos: aplicados nas partes sensíveis do animal antes da entrada na arena.


Provas da crueldade


  • O médico veterinário norte-americano Dr. C.G. Haber, que passou 30 anos como inspetor federal de carne, viu vários animais descartados de rodeios sendo vendidos para abate. Ele descreveu os animais como "tão machucados que as únicas áreas em que a pele estava ligada à carne eram cabeça, pescoço, pernas e abdome. Eu vi animais com 6 a 8 costelas quebradas à partir da coluna, muitas vezes perfurando os pulmões. Eu vi de 2 a 3 galões de sangue livre acumulado sobre a pele solta. Estes ferimentos são resultado dos animais serem laçados nos torneios de laçar novilhos ou quando são montados através de pulos nas luta de bezerros."

  • Em um estudo conduzido pela organização norte-americana Humane Society, dois cavalos conhecidos pelos seus temperamentos gentis foram submetidos ao uso da cinta no flanco. Ambos pularam dando coices até a cinta sair. Então vários cavalos do circuito de rodeio foram liberados dos currais sem a cinta no flanco e não pularam nem deram coices, mostrando que o comportamento selvagem e frenético é induzido pelos cowboys e promotores dos rodeios.

  • No Brasil há um estudo bem conhecido coordenado pela Dra. Irvênia Prada, especialista em anatomia animal da USP. Ao observar as fotos dos animais em plena atividade no rodeio, a especialista declara: "os olhos dos animais mostram uma grande área arredondada, luminosa, conseqüente à dilatação de sua pupila. Na presença de luz, a pupila tende a diminuir de diâmetro (miose). Ao contrário, a dilatação da pupila (midríase) acontece na diminuição ou ausência de luz, na vigência de processo doloroso intenso e na vivência de fortes emoções e que acompanham situações de perigo iminente, caracterizando a chamada Síndrome de Emergência de Canon. No ambiente da arena de rodeio, o esperado seria que os animais estivessem em miose, pela presença de luz. Assim, a midríase que exibem é altamente indicativa de que estejam na vigência da síndrome, o que caracteriza o sofrimento mental."

Onde os rodeios já são proibidos no Brasil


O Estado do Rio de Janeiro já proíbe a realização de rodeios em seu território e diversos municípios nos estados da Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo também (entre eles Campinas, São José dos Campos, Sorocaba, Taubaté, Santo André, Santos, Ubatuba e São Bernardo do Campo). E a proibição da atividade está em tramitação nos estados do Ceará e Santa Catarina.


*Matéria publicada na edição de agosto de 2010 da Revista dos Vegetarianos